quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Origem Sangrenta dos Contos de Fada




A Origem dos Contos de Fadas

Muitos dos mais populares contos infantis, como Branca de Neve, Alice no País das Maravilhas e Chapeuzinho Vermelho, tiveram seus primeiros relatos banhados em sangue, sexo, fome e violência. Conheça os casos escabrosos que estão nas versões originais – e nada infantis – de várias histórias da carochinha.

Por
Tiago jokura
Bernatdo Borges
Eduardo Belga
Lauro Henriques Jr.







Piração no País das Maravilhas

Publicadas em 1865, as aventuras doidonas de Alice são uma história sem “moral da história”, com referências a drogas, delírios e críticas políticas.

- Uma heroína mais real que 3d – O nome da protagonista foi escolhido como uma homenagem à garotinha Alice Liddel, amiga do autor, o inglês Lewis Carrol. E o livro nasceu quase na marra. Após contar a história, que inventara na hora, para Alice e as duas irmãs da menina, Carroll foi convencido a botar tudo no papel.

Anarquistas Graças a Deus – O coelho atrasadinho e que sempre está estressado é interpretado como uma crítica do autor à repressora sociedade inglesa da época. Ironicamente, é ele quem atrai Alice para um mundo mágico e sem nexo em que há liberdade para os indivíduos interferirem nos rumos da sociedade.

Viajando na Lagartona – Tá tudo azul para a lagarta que Alice encontra fumando num baita narguilé. A geringonça e o fato de o bicho falar lentamente, “viajando” e filosofando, são até hoje associados ao consumo de ópio. A droga, que atualmente é ilegal, tinha uso medicinal na época da publicação do livro, em 1865.

Cogus Alucinógenos – A lagarta doidona explica que comer do cogumelo em que está sentado pode fazer Alice crescer ou diminuir de tamanho. Há quem veja nisso uma clara referência a cogumelos alucinógenos, embora não haja indícios, dentro ou fora da obra, relacionando o autor ao consumo dessa droga.



Alucinação Coletiva


Para muita gente, Lewis Carroll escrevia sob efeito de drogas

Uma lenda urbana engolida por muita gente é a que especula sobre o uso de substâncias alucinógenas por Lewis Carroll. Os rumores se baseiam na narrativa “piradona” e em elementos que remeteriam ao universo das drogas, como o narguilé e o cogumelo. Há quem jure que a inspiração do autor vinha do LSD, esquecendo-se que a droga só surgiu em 1938, décadas após a primeira edição da obra. Além disso, a complexidade dos enigmas lógicos e matemáticos dispostos ao longo do texto indicam que o autor escrevia lúcido. Sem falar que nada na biografia de Carroll sugere qualquer experiência com entorpecentes.

Sorriso Delirante – O habitante mais alucinado do País das Maravilhas aparece e desaparece em vários momentos da trama, seja de corpo inteiro, seja mostrando apenas algumas partes, como o sorriso. Especula-se que o gato possa ter surgido das terríveis enxaquecas do autor Lewis Carroll, que relatou vários episódios de alucinação em seus diários.

Na casa do Chapéu – Alice topa com o Chapeleiro Maluco em um tradicional chá das cinco inglês. Na época em que a história foi escrita, muitos chapeleiros enlouqueciam de fato, por causa da exposição ao mercúrio usado na confecção dos chapéus. Os sintomas eram tremores nos olhos e membros, fala confusa e alucinações. O personagem serviu até de inspiração para um inimigo do Batman.

Extinto e Politizado – O Dodô, ave extinta no século 17, é interpretado como uma caricatura do próprio Lewis Carroll, cujo nome real era Charles Dodgson. Para variar, o autor aproveitou o personagem para dar suas alfinetadas. O Dodô organiza uma corrida sem rumo, que não chega a lugar nenhum, como nas reuniões políticas desde aquela época.

Rainha Sem Coração – A Rainha de Copas é outra caricatura da sociedade da época, mais precisamente da rainha Vitória: apesar de sua importância no reino inglês, sua autoridade não valia nada diante do Parlamento e do Primeiro-Ministro. Do mesmo jeito, no País das Maravilhas o bordão “cortem a cabeça dele”, da Rainha de Copas, nunca é cumprido de fato.




Muito Além do Espelho
O universo surreal de Alice já serviu de inspiração para a ficção e até para a medicina.
Lost – Alguns episódios da série, como Coelho Branco e Através do Espelho, remetem à obra de Lewis Carroll.
Matrix – No primeiro filme da trilogia, a escolha que Neo pode fazer entre tomar uma pílula vermelha ou uma pílula azul também remete ao livro.
Batman – Nas HQs, um dos inimigos do homem morcego é um Chapeleiro Louco, inspirado diretamente no personagem doidão de Alice.
Os Beatles – Lewis Carroll teve tal influência sobre a banda que é um dos homenageados na capa do álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band.
Medicina – A história batiza uma doença estranha, a Síndrome de Alice, que faz objetos parecer muito maiores do que realmente são.


Vermelho Cor de Sangue

A tonalidade mais chamativa na roupa da doce Chapeuzinho combina com uma história cheia de violência, canibalismo e insinuações sensuais.

Era Uma Vez... – A maioria dos contos de fadas, como Chapeuzinho Vermelho, surgiu por volta da Idade Média, em rodas de camponeses na Europa,onde eram narrados para toda a família. “A fome e a mortalidade infantil serviam de inspiração”, diz a especialista em histórias infantis, Marina Warner, da Universidade de Essex, na Inglaterra.

Comida de vó – Numa versão francesa da história, após interrogar Chapeuzinho Vermelho na floresta e pagar um atalho para casa da vovó, o lobo mata e esquarteja a velhinha sem dó. A coisa piora quando o vilão, já fingindo ser a vovó, oferece a carne e o sangue da vítima, como se fosse vinho, para matar a fome da netinha – que como com gosto!

Tira, tira... – Após encher o bucho e praticar canibalismo sem saber, Chapeuzinho ainda tira a roupa e joga no fogo a pedido do lobão! O clima porém não é nada infantil com a garota perguntando o que fazer com a roupa a cada peça retirada. O lobo só tinha uma resposta: “jogue no fogo, minha criança. Você não vai mais precisar disso...”

Sedução Infantil – Ao se deitar ao lado do lado, já totalmente nua, Chapeuzinho começa a reparar no físico do vilão, como se desconfiasse de algo. Admirada, a menina começa a exclamar: “como você é peluda, vovó”, “que ombros largos você tem” e “que bocão você tem”, entre outros elogios à anatomia do bichão.

Final Feliz – Ao fim da versão francesa, Chapeuzinho, sentindo-se ameaçada, pede para sair e fazer suas necessidades fora da casa. O lobo, nojentão, insiste para que faça xixi na cama mesmo – urg! -, mas acaba deixando a menina sair. Esperta, Chapeuzinho aproveita o vacilo do vilão e escapa.

Final Sangrento – O francês Charles Perrault foi o primeiro a pôr muitos contos de fadas no papel, no século 17. Ele tornou o final da história mais sangrento – com o lobo jantando a mocinha – e introduziu a famosa moral da história, dizendo que “crianças não devem falar com estranhos para não virar comida de lobo”.

Final Amenizado – No século 19, os irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm – famosos compiladores de contos que até então só eram transmitidos oralmente -, inventaram a figura do caçador. No fim da história, ele aparece e salva a pele de Chapeuzinho e da vovó, abrindo a barriga do lobo com um tesourão.

Fontes:

“Conte de La-Mère-Grand” (coletado pelo folclorista Achille Millien por volta de 1870);
“Pentameron”, de Giambatista Basile;
“Tales of Mother Gosse” de Charles Perrault;
“Children’s and household tales”, dos Irmãos Grimm;
“Da Fera à Loira”, de Marina Warner;
“A princesa que dormia” (coletânea publicada pela Editora Paraula)

Contando Pesadelos - Sexo com pessoa em coma e feitiçaria são o tempero de “A Bela Adormecida”, história que tem até uma versão feita no Brasil.


À moda Italiana - Giambattista Basile apimentou a história no século 17.

Farpa Maldita – Ao mexer num tear, uma farpa entra sob a unha da Tália, provocando sono imediato – maldição prevista desde sua infância. Desconsolado, o pai abandona a casa, largando a filha adormecida sozinha.

Noiva Cadáver – Numa caçada, o rei, que já era casado,se encanta por Tália e, antes de partir, transa com a moça apagada! Ela ainda engravida de gêmeos. Um dia, ao tentar mamar, um deles chupa o dedo da mãe e retira a farpa, despertando-a.

Amada Amante – Um ano após o encontro, o rei volta à floresta, encontra Tália acordada e passa a esticar as caçadas para manter a vida dupla. A esposa desconfia e põe um espião na cola do rei.


A Bela do Brasil
A versão “brasuca” também sangra
O escritor brasileiro Silvio Romero publicou, em 1885, em “Contos Populares do Brasil”, a história de um rei que, numa caçada pela floresta, se apaixona pela camponesa Madalena Sinhá. Em seguida, o rei constitui uma segunda família no campo, mas é delatado por um servo da rainha. No final, a amante e a rainha saem na mão até que madalena mata a rival, com a ajuda do rei. E o servo dedo-duro acaba degolado.
À Moda Francesa - Nas mãos de Charles Perrault, o final é violento.

Guarda na Dispensa – O cozinheiro esconde as crianças e abre o jogo com Bela – que a rainha também estava afim de jantar. Ao ouvir o choro das crianças, a rainha descobre o engodo e resolve cozinhar todo mundo.

Banquete de Gente – Furiosa com o filho por assumir Bela como rainha, a ogra ordena ao cozinheiro que faça para ela um rango com a carne do neto e da neta. O criado, porém, serve carne de carneiro e de cabrito para enganá-la.

Cladeirão Animal – O caldeirão que vai ferver geral é recheado com sapos, víboras, enguias e cobras. No último instante, porém, o rei aparece e a ogra, amedrontada, se joga de cabeça, sendo devorada pelas feras.

Que Ogra de sogra – Agora a vilã é a mãe do rei. A sogra de Bela – que não tem nome nesta versão - é uma ogra, faminta por crianças. Não à toa, o rei não conta nada à megera sobre seus netinhos.

Gata Barraqueira - Ao contrário da donzela boazinha que conhecemos, nas versões mais antigas, a Cinderela é quem começa a pancadaria.

 Golpe do Baú – Na versão de Giambattista Basile, chamada “A Gata Borralheira”, a heroína une forças com a governanta para matar a madrasta. Um dia, quando a megera pega roupas num baú, a moça lhe fecha a tampa na cabeça.

 Na Ponta dos Pés – Os irmãos Grimm botam mais sangue no miolo da história. Quando o príncipe visita as casas para identificar o pé de sua amada, as irmãs malvadas de Cinderela se mutilam para tentar calçar o sapatinho, cortando dedos e calcanhares.

Ora, Pombos – Na versão dos Grimm, a madrasta também não é morta por Cinderela. A malvada bate as botas com pombos comendo seus olhos e os das filhas.

Eu vou... Eu vou... Matar agora eu vou... - Inveja, tortura e sugestão de canibalismo roubam a cena dos anões nas versões mais hardcore de “Branca de Neve”

 Espelho Mau – Na primeira versão dos Grimm, de 1810, é a mãe, e não a madrasta que pira no espelho como sendo a mais bela do reino. Invejosa por perder o posto, planeja dar um sumiço na filhinha de apenas sete anos.

Mundo canibal – A rainha manda um caçador matar Branca de Neve na floresta, trazendo o fígado e um pulmão como prova do serviço. Ele engana a rainha com carne de javali, que a mãe come achando ser de sua filha.

Dançando em Brasas – Após ter o plano frustrado, a rainha é condenada, no meio da festa de casamento de Branca de Neve com o príncipe. Como pena, a ex-poderosa tem que dançar até a morte calçando sapatos de ferro em brasa!

Triple X-Termínio

Ao contrário da versão de “Os três Porquinhos” que conhecemos hoje, na história original os dois primeiros rabicós não conseguem fugir depois de ter a casa destruída e são engolidos pelo lobo. Só que o lobo não consegue enganar o terceiro porquinho e nem derrubar a casa dele. Irado, acaba se enfiando na chaminé e caindo num caldeirão, virando janta dessa vez.

Largados para morrer - Que preocupação e cuidado paternal que nada! Na história de “João e Maria”, os pais abandonam os filhos para minguar de fome na mata.

Coração de mãe? – Com a família assombrada pela fome, a mãe instiga o marido a levar os filhos para a floresta. A idéia é largá-los por lá, ficando com menos bocas para alimentar em casa. O pai não gosta muito da idéia, mas acaba cedendo.

Ouvido vivo – Só que João e Maria ouvem a tramóia dos pais e espalham pedras pela estrada, conseguindo voltar para casa. Mas, em outro rolé maligno, eles se perdem – pássaros comem as migalhas de pão que marcavam o caminho dessa vez.
Dando Sopa – Na mata, os pequenos acham uma casa toda feita de comida. A bruxa já lambia os beiços pensando em jantar as crianças, mas Maria empurra a vilã no caldeirão, mata a megera, e os dois ainda saqueiam a casa antes de sair.

Tapinha Não Dói 

Triste por perder sua bola, uma princesa mimada promete amizade ao sapo falante que se oferece para achar o brinquedo. Missão cumprida, o sapo passa a morar com a princesa. Um dia, irada com o amigo grudento, a princesa joga o sapo na parede e – pimba! – é isso que quebra o encanto, transformando o bicho em príncipe. Ou seja, em vez de beijão apaixonado, a coisa aqui é na pancada mesmo!

Grande Sanguinária - Criada pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, em 1837, “A Pequena Sereia” é um relato pra lá de brutal.

Navalha na Carne – No original, a Bruxa do Mar corta a língua da Ariel, que perde a voz. Além disso, a sereia tem a cauda rasgada em duas para virar mulher e conquistar o coração do príncipe. Mas, a cada passo, as pernas sangram e doem.

Cabeça Feita – Na insistência para que Ariel voltasse a ser sereia, suas irmãs chegam a arrancar seus cabelos – literalmente. O objetivo era oferecer as madeixas para que a Bruxa do Mar rompesse o encanto.

Fim da Linha – Em troca dos cabelos, a bruxa dá uma faca para Ariel matar o príncipe – que a trocara por outra – e voltar a ser sereia. Traída e desenganada, Ariel se mata pulando de um abismo no mar gelado.

Fontes: 


“Pentameron”, de Giambattista Basile;
“Chilren’s and household tales”, dos irmãos Grimm (Edição de 1810 e de 1857);
“Yen-Hsien”, conto da tradição chinesa;
“A pequena sereia”, de Hans Christian Andersen;
“Da fera à Loira”, de Marina Warner (Cia. Das Letras).

Bravo Folclore Brasileiro - Personagens da cultura popular e da literatura infantil nacionais também tiveram seus elementos mais barra-pesada amenizados ao longo do tempo. Confira a versão sem censura – e com pancada!

Vampirão Perneta – Baseado em depoimentos populares, o escritor Monteiro Lobato publicou um “retrato falado” do Saci-Pererê em 1917. Na época, além de travesso, a figura de uma perna só ainda aparecia chifrudo e com os dentões pontudos para sugar o sangue dos cavalos. E ai daquele que o ofendesse: era morto a cócegas ou a porretadas!

Do Pé Virado – O Curupira que conhecemos é caracterizado como o protetor da floresta, que tem pés invertidos – calcanhar na frente e dedos atrás - para despistar quem o segue. Mas, hoje, ninguém fala que não teria orifícios para evacuar – eca! – nem que açoitaria e mataria pessoas no mato, além de encantar criancinhas.

Mulher do Padre – A punição é implacável: caso uma mulher transe com um padre, vira Mula Sem Cabeça. Mas, se a criatura que solta fogo pelo pescoço já é assustadora em si, nas primeiras versões do conto, são contadas as cenas em que, em certas noites, ela sai em disparada estraçalhando, com seus cascos afiados, os homens que lhe cruzam o caminho.

Escravo de Dó – A história do Neguinho do Pastoreiro surpreende não por não ter sido nada amenizado. A lenda é nua e crua, assim como a pele do escravo de 14 anos que, por perder um cavalo, é chicoteado pelo dono e amarrado todo ensangüentado sobre um formigueiro até morrer! O “relax” só vem no fim, quando sua alma é salva e ele vira um fantasma de pele lisinha, sem marca das torturas.

Menino do Rio – No norte é famosa a história do Boto-Cor-de-Rosa, um parente do golfinho que à noite vira homem e sai para conquistar donzelas nos bailes. Em geral, o máximo que rola é uma gravidez aqui, outra acolá. Nas versões mais pesadas, porém, há botos mortos com tiros e porretadas por galantear a mulher alheia – incluindo alguns com cabeça aberta, exalando um baita cheiro da cachaça.

Encanto Profundo – Uma sereia morena que encanta marmanjos com seu canto nos rios amazônicos, já foi uma bela índia, que pagou caro pela formosura e pela liderança dentro da família. Uma versão do conto descreve como ela tem que matar os irmãos invejosos em defesa própria, mas acaba sendo jogada no rio pelo pai como castigo. Por isso, seduz os caras a mergulharem e virarem petiscos no fundo dos rios.

Caveirão Papão – A Cuca “de verdade” não tem nada a ver com a bruxa – um jacaré meio trapalhona do “Sítio do Pica-pau Amarelo”. Na origem, ela é uma velha apavorante que captura crianças e enfia num saco. Seu nome é derivado de termos como coca e coco, usados antigamente na Espanha e em Portugal para designar coisas como demônios e caveiras.

Pozinho Mágico – Já imaginou uma história infantil em que a criançada cheirasse um pozinho para curtir a maior viagem no tempo e no espaço, aprontando todas? Nas primeiras versões do “Sítio do Pica-pau Amarelo” era assim. Só mesmo nos anos 70 é que o pó de pirlimpimpim passou a ser jogado na cabeça dos personagens. O motivo? Não remeter ao consumo de cocaína... 



Texto retirado da revista MUNDO ESTRANHO.

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